Júri popular em Presidente Prudente condena a 16 anos de prisão acusado de assassinar indígena em Mato Grosso do Sul


Crime ocorreu em dezembro de 2005, no município de Antônio João (MS), e vitimou Dorvalino Rocha, que era integrante da etnia guarani-kaiowá. Indígenas da aldeia Ñande Ru Marangatu, que fica em Antônio João (MS), viajaram mais de 600 quilômetros para acompanhar o julgamento em Presidente Prudente (SP) e na frente do Fórum onde aconteceu o júri popular rezaram na língua guarani
Paula Sieplin/TV Fronteira
O réu João Carlos Gimenes Brito foi condenado a uma pena de 16 anos de reclusão em júri popular encerrado na tarde desta terça-feira (28), no Fórum da Justiça Estadual, em Presidente Prudente (SP). Ele é acusado de ter assassinado a tiros o indígena Dorvalino Rocha, em 2005, no município de Antônio João (MS).
O júri, que havia sido iniciado na manhã da segunda-feira (27), foi realizado em Presidente Prudente a pedido do Ministério Público Federal (MPF).
O julgamento ocorreu no prédio do Fórum da Justiça Estadual, na Vila Euclides, pois, conforme a Justiça Federal, não havia estrutura adequada no Fórum Federal, que fica no Jardim Petrópolis, para a realização do júri popular.
Indígenas da aldeia Ñande Ru Marangatu, que fica em Antônio João, em Mato Grosso do Sul, viajaram mais de 600 quilômetros para acompanhar o julgamento em Presidente Prudente e na frente do Fórum onde aconteceu o júri popular rezaram na língua guarani.
Em entrevista à TV Fronteira, a viúva do indígena assassinado, Liria Rocha, enfatizou que, embora 18 anos tenham se passado, ainda é esperada a demarcação da terra indígena naquela região de Mato Grosso do Sul, pois o marido “deu sua vida por ela”.
“Eu toquei a família, dando força, dando suporte e mostrando que aquele território tem que ser demarcado, porque o Dorvalino morreu, ele deu a sua vida pela terra e, com a família, eu prossegui na caminhada, querendo a demarcação da minha própria terra como comunidade indígena”, afirmou.
Já o líder indígena Mário Almeida, que também viajou de Mato Grosso do Sul a Presidente Prudente acompanhando os familiares de Dorvalino Rocha, demonstrou o desejo de justiça envolvendo o crime cometido contra o amigo.
“Hoje, eu venho aqui para acompanhar o desfecho do assassinato de Dorvalino. A situação já vem de muito tempo, dura muito, mas nunca se resolveu […]. Nós, os guarani-kaiowá, também temos direito de lutar até o fim. Nós queremos justiça para resolver esse problema […]. Ninguém vê justiça no Mato Grosso do Sul. Às vezes pode até ver, mas não é só ver, né”, ressaltou.
Para o representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Matias Benno Tempel, o fato de o julgamento ter sido desaforado para o Estado de São Paulo aponta a situação orgânica do agronegócio e também do genocídio contra os povos indígenas em Mato Grosso do Sul.
Segundo ele, “o Estado e o próprio Poder Judiciário ainda tratam o genocídio dos povos indígenas como questões pontuais, mas o número excessivo de assassinatos de vítimas do povo guarani-kaiowá demonstra que é uma questão estrutural”.
“Os kaiowá estão sofrendo, há muitas décadas, com a falta da demarcação de terras, lutam para recuperar seus territórios e são sumariamente assassinados. Como Dorvalino, nós poderíamos citar mais centenas de indígenas que, infelizmente, foram assassinados e até hoje não se encontrou justiça. Com o Dorvalino, a gente espera que seja diferente. É um caso de réu confesso, é um caso brutal, onde a gente tem todas as provas que se precisa”, argumentou.
“A gente veio acompanhar os rezadores, em especial, a família de Dorvalino, que está, aqui, orando, na sua ancestralidade, no seu processo ritual, para que a justiça seja feita e os Ñande Ru Marangatu a conheçam, porque a buscam há muito tempo e, com isso, também, o avanço do processo das suas terras”, concluiu o coordenador do órgão regional sul-mato-grossense que há 45 anos atua em defesa dos direitos dos povos indígenas do Brasil.
Indígenas da aldeia Ñande Ru Marangatu, que fica em Antônio João (MS), viajaram mais de 600 quilômetros para acompanhar o julgamento em Presidente Prudente (SP) e na frente do Fórum onde aconteceu o júri popular rezaram na língua guarani
Paula Sieplin/TV Fronteira
Denúncia
Em princípio, a denúncia pelo homicídio foi feita pelo MPF na 1ª Vara Federal de Ponta Porã (MS), em junho de 2006. A arma de fogo supostamente utilizada no crime foi apreendida e periciada e está acautelada pelo Exército Brasileiro.
O processo correu com depoimentos de testemunhas e a acusação foi aceita em novembro de 2013.
Após o recurso da defesa, o julgamento seria realizado em setembro de 2019. Porém, naquele mesmo ano, o Ministério Público Federal solicitou o desaforamento do tribunal, que foi aceito.
Então, o processo foi encaminhado para a 1ª Vara Federal, em Presidente Prudente, no interior do Estado de São Paulo.
Em despacho do dia 18 de setembro, o juiz Cláudio de Paula dos Santos determinou que o réu João Carlos Gimenes Brito fosse submetido a júri popular nesta segunda-feira (27), no salão do Tribunal do Júri do Fórum Estadual da Comarca de Presidente Prudente. O julgamento foi iniciado na manhã da segunda-feira, suspenso no período noturno e retomado nesta terça-feira (28), quando foi finalizado à tarde.
O crime
O indígena da etnia guarani-kaiowá Dorivaldo Rocha foi assassinado em 24 de dezembro de 2005, em Antônio João, município localizado a 318km de Campo Grande (MS). A vítima estava caminhando em uma estrada no interior da Fazenda Fronteira, quando um carro com seguranças particulares da propriedade se aproximaram.
O motorista, João Carlos, atirou duas vezes na direção da vítima, que foi atingida no pé e no peito.
O indígena chegou a ser socorrido e encaminhado para um hospital, mas não resistiu aos ferimentos.
Ao ser questionado sobre o crime, o suspeito contou outra versão para a polícia. Conforme João Carlos, o seu carro havia sido repentinamente cercado por indígenas agressivos, armados com flechas, facas e pedras.
Na ocasião, ele teria atirado no chão para espantar o grupo, atingindo Dorvalino sem querer.
Após o inquérito policial, os investigadores concluíram que João Carlos havia cometido homicídio doloso, ou seja, que teve intenção de matar.
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