Quinta reportagem da série mostra o porquê a sociedade foi predominada por comportamentos machistas ao longo dos séculos e a luta feminista pela igualdade de gênero. Série Sobrevivência Feminina mostra a realidade da violência contra a mulher na região de Presidente Prudente (SP)
Arte g1
O sentimento de superioridade do homem em relação à mulher reflete diversas ações comportamentais da sociedade. Uns dos principais reflexos do chamado patriarcado é a violência doméstica. O homem tem a capacidade de agredir e até mesmo matar uma mulher pelo simples fato de achar que detém mais direitos do que elas, esquecendo até mesmo de que ele nasceu de uma. O corpo da mulher é banalizado e passa a ser considerada como um mero objeto de posse.
Em um conflito extremo entre os gêneros, a mulher teme pela própria vida simplesmente por ter nascido com o sexo feminino. Ela passa a sobreviver com medo de até mesmo ao caminhar pela rua sozinha, independente do horário. Porém, a sociedade nem sempre se comportou dessa forma.
Na quinta reportagem da série Sobrevivência Feminina, você entenderá como o patriarcado começou e porque ele ainda é tão enraizado socialmente. Por que a mulher nasce com medo de viver devido a possíveis atitudes de um ser humano do outro sexo e esse ser desfruta uma vida livre dessas preocupações?
O g1 conversou com a professora, mestra e doutoranda em Geografia pela Universidade de São Paulo (Unesp), Carolina Russo Simon, que também é militante da Frente Pela Vida das Mulheres. Ela explicará o porquê da sociedade enaltecer os poderes do homem de forma desproporcional ao da mulher.
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Cultura patriarcal fere milhares de mulheres diariamente
Bruna Bonfim/g1
O que é o patriarcado e como ele surgiu
Ao pensar na cronologia do patriarcado, é necessário entender que ele é o sistema de opressão e dominação masculina mais antigo do mundo. Conforme a doutoranda, o patriarcado é muito mais antigo que o racismo e o capitalismo. Existem autores que afirmam que a cultura machista tem no mínimo cinco mil anos de existência.
Mesmo depois de milhares de anos depois de Cristo, esse sistema de opressão dos homens em relação às mulheres parece ter cada vez mais força. Isso acontece por conta do silenciamento.
“O patriarcado é um sistema de opressão de dominação silencioso. Dentro disso, é importante a gente ter em mente que não, os homens nem sempre acharam que eram superiores às mulheres. Temos alguns exemplos de sociedades matriarcais que são antigas, que diversos registro de estudos antropológicos, principalmente, nos mostram isso, em que as mulheres não tinham esse papel de subordinação aos homens, pelo contrário, exerciam um papel de poder, de regulação, de construções de civilizações, de sociedades”, ressaltou Carolina.
Por isso, é importante reforçar que o patriarcado não é algo natural do ser humano. Ele é um sistema social construído ao longo da história, que articula-se com outros sistemas de dominação, como o capitalismo.
Ainda conforme a militante pela luta contra a violência de gênero, acredita-se que essa superioridade masculina começou com a divisão sexual do trabalho, que aconteceu antes mesmo do capitalismo existir.
“A partir do momento em que a humanidade entende que nós nos diferenciamos de outros animais a partir do nosso trabalho e que esse trabalho produz sociedade, produz espaços de vida, ele é como se fosse dividido especificamente e principalmente pelo sexo. Nesse momento, acontece uma mudança histórica na nossa humanidade em que o trabalho que era desenvolvido pelas mulheres e supervalorizado, que é o trabalho da reprodução, principalmente, ele passa a ser diminuído pelo papel da produção. Então, aquele trabalho que não é assalariado, que não tem um reconhecimento de pagamento de salário, ele começou a ser desvalorizado nesse momento”, enfatiza Carolina ao g1.
Mulher que não aceitava ser subordinada, passou a ser agredida
Bruna Bonfim/g1
Subordinação das mulheres
Com essa mudança de valorização de gênero, a mulher passa a ser subordinada ao homem e dominada como mercadoria.
“Nós passamos assim a ser vistas somente como mães e esposas, mas fora de todo um reconhecimento desse trabalho que é ser mãe, que é ser esposa numa sociedade patriarcal, para um desmerecimento dessa atividade exercida 24 horas por dia, 7 dias por semana”, explicou Simon.
Porém, nem toda mulher acreditava que esse sistema era justo. Quando ela passa a não se submeter ao poder de subordinação masculina, a violência contra a mulher passou a ocorrer.
“Nosso corpo passa a ser compreendido como uma mercadoria de posse do homem, marcado pelo último seu sobrenome, que é o que fica, principalmente, aqui no Brasil, nosso último sobrenome é o do pai, por exemplo. Marcando ali a qual homem nós pertencemos e quando casamos, levamos por muitos anos a tradição da obrigatoriedade da mulher colocar o nome do marido, que era uma forma de marcar essa mercadoria corpo-território-mulher submetida ao pai e, posteriormente, ao marido”, ressalta.
Agressor justificava as agressões pela chamada “defesa da honra”
Bruna Bonfim/g1
Defesa da honra
Antigamente, no Brasil, a questão da violência de gênero era tratada como “causas pequenas”. Neste contexto, principalmente nos anos 70 e 80, existia uma cultura enraizada de que o homem tinha uma honra a ser defendida. Tal tese era usada como justificativa ao violentar a mulher.
“Até hoje os agressores tentam justificar essas mortes a partir de uma cultura enraizada, não só no Brasil, mas em quase toda América Latina e outros países do mundo, de que existe uma honra a ser defendida pelo homem e que se a mulher não se comporta adequadamente enquanto esposa dentro do que se espera no casamento, esse homem pode ou tem o direito de defender sua honra agredindo essa mulher e até mesmo matando essa mulher”, explicou Carolina.
Neste momento da sociedade brasileira, a legislação não era específica e tratava as agressões como algo comum. Antes de 2007, não existia punição rígida ao agressor. Então um caso de impugnação no Brasil gerou uma comoção mundial e alterou a forma de lidar com a violência contra a mulher e seus agressores.
Caso Maria da Penha revolucionou o combate de violência doméstica
Bruna Bonfim/g1
Maria da Penha
Em 1983, Maria da Penha Maia Fernandes foi vítima de dupla tentativa de homicídio pelo seu ex-marido. Ele deu um tiro em suas costa quando ela estava dormindo e Maria da Penha ficou paraplégica devido a lesões irreversíveis. Ao retornar do hospital para casa, ela foi mantida em cárcere privado pelo companheiro, que tentou eletrocutá-la durante o banho.
O agressor foi sentenciado, mas recebeu liberdade no mesmo dia da condenação, por meio de recursos apresentados pela defesa.
A impunidade do caso gerou comoção internacional e a história de Maria da Penha foi abraçada por movimentos feministas.
“Quando o movimento feminista abraça a pauta da violência doméstica que Maria da Penha sofreu e leva ao tribunal internacional e o Brasil é julgado e condenado, cria-se condições específicas para que possa propor essa lei que já existiam alguns rascunhos nela, que não foram pra frente e aprovados”, explicou Giovana.
Após anos de luta por Justiça, em 2007, a Lei nº 11.340 foi sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT), denominada como Lei Maria da Penha. A legislação tem como foco estipular uma punição adequada ao homem que pratica violência doméstica e coibir mais atos praticados contra a vida da mulher.
Ainda conforme a doutoranda, a lei brasileira virou referência mundial e, até os dias atuais, recebe complementações.
“Existem diversas outras leis que vem suprindo as lacunas da lei maria da penha. Mas a maior inovação dessa lei é reconhecer que a violência doméstica que ela não é somente o tapa, a agressão física e verbal, mas ela tem uma dimensão muito maior, são diversos tipos de violência reconhecidas na lei e essa necessidade de interação de diversas áreas da sociedade para que a gente possa não só culpar os agressores, mas principalmente prevenir as mulheres de serem mortas”, ressalta.
A Lei Maria da Penha traz a realidade de que não adianta apenas fazer Justiça, mas também é necessário proteger a vida das mulheres.
Apesar das evoluções, a sociedade brasileira ainda é patriarcal
Bruna Bonfim/g1
Combate a violência
Apesar das evoluções ao longo dos anos no combate a violência de gênero, a sociedade ainda é considerada patriarcal. Tal cultura está enraizada na cabeça de muitos homens e, até mesmo, mulheres.
Infelizmente, esta cultura machista está presente não só no Brasil, mas em diversos outros países. Conforme a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP), foram registrados 43.072 casos de lesão corporal dolosa entre janeiro e setembro de 2023. Deste total, 20.563 foram registrados no interior do Estado.
Os números expressivos de ocorrências relacionadas a violência doméstica é um reflexo deste sistema de opressão, que escolhe não ouvir e valorizar à voz da mulher.
“O sistema patriarcal é muito consolidado e articulado, por isso é tão difícil romper com ele. Enquanto uma mulher morrer, ser estrupada e violentada, nós ainda teremos o sistema patriarcal vigente, infelizmente”, finalizou a geógrafa e militante Carolina Russo Simon ao g1.
Créditos da série Sobrevivência Feminina
Coordenação editorial e edição: Gelson Netto
Reportagem: Bruna Bonfim
Arte e ilustrações: Vanessa Vilche e Marcela Castilhos
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